Lançamento de "Deixa-me Entrar na tua Vida"
Apresentação da editora, Teresa Matos (Clube do Autor)
Deixa-me entrar na tua vida é um
livro que fala da vida, e dos sentimentos e das emoções que a atravessam. Nem
sempre luminosos, é certo, mas são aqueles que marcam de facto a nossa
trajectória: a paixão e o amor, a saudade e a convivência familiar, a angústia e
o desespero, a dependência e a degradação…
A Margarida crivou de vida as
vidas da Alda, da Luísa e do Duarte e não conseguimos deixar de sentir as suas
dores e alegrias, irritar-nos com as suas acções e silêncios, sinal de uma
escrita rica e absorvente. Seguimos a sua história tomando partido e
incentivando silenciosamente as personagens. A Margarida conseguiu criar um
quadro vivo e muito real que mexe com as nossas emoções.
Entre outras inquietações, a
leitura deste livro leva-nos à pergunta: Até que ponto se pode ajudar alguém? A
resposta não é fácil. Aliás, através desta história percebemos que há várias
formas de lidar com a vida, os seus desgostos e os desafios. E que, por mais
que se deseje ajudar alguém, não nos podemos esquecer de duas coisas importantes:
não podemos ajudar alguém que não
deseje verdadeiramente ser ajudado
nem devemos ajudar alguém sem
olhar primeiro para a nossa própria realidade.
Deixa-me entrar na tua vida é um
convite para entrar na vida na Alda, da Luísa e do Duarte, um convite que os
três personagens aceitam e rejeitam entre eles e também um convite para nós
próprios reflectirmos sobre a vida.
Apresentação do
livro, por Margarida Cordo
A Margarida diz que gosta de contar os silêncios de todos
nós. O que eu acho que a Margarida faz é pintar os silêncios com uma caneta, que
a Margarida tem um pincel na ponta da caneta – é isso que lhe dá tanta vida. E
quando falo deste livro, falo também dos outros, nomeadamente do livro “De
Nome, Esperança” e de “O nº11”.
Como entendi eu este livro?
A parte mais genial deste livro, “Deixa-me Entrar na tua
Vida”, é que ele contado por três pessoas ao mesmo tempo. São diálogos
interiores de três pessoas, que não só contam o que estão a pensar e a sentir,
como depois reproduzem diálogos que tiveram com outros enquanto estão a pensar.
E há algumas partes com dois diálogos interiores ao mesmo tempo.
Já tive oportunidade de dizer isto à Margarida – este livro
é muito mais do que um livro sobre alguém que tem um problema de alcoolismo.
Deixem-me fazer um parêntesis – eu sempre entendi que os
programas de 12 passos como programas de vida e não como apenas programas de
recuperação de pessoas com dependências. Nesse sentido, gosto particularmente
da forma como a Margarida gere isto, porque a ajuda é para quem quer, não é
para quem precisa. É sobre sentimentos que todos podemos experimentar, um livro
de solidão, mas também é um livro de amor e de dedicação. E também é um livro
sobre algo de que todos devemos ter cuidado – é a questão de alguém que depende
que outro que dependa de si.
Estas três personagens suscitam reacções em nós, enquanto
fazemos a leitura – as personagens têm imensa intensidade. A Alda é muito mais
do que uma alcoólica – é uma mulher na solidão. O que dá muita força ao livro é
a raiva e a impotência da Luísa em não conseguir ajudá-la a querer recuperar.
Mas a relação da Alda com o álcool é a de quem quer morrer – o não querer
ajuda, o ser capaz de destruir a sua própria identidade, e atentar contra a sua
própria dignidade a partir do momento em que é completamente impotente em
relação ao álcool. É uma mulher real – tem um problema de solidão que é
transversal à sua vida e serve-se do álcool para fazer uma fuga para a frente.
Dizer isto não é dizer que este alcoolismo, ou qualquer outro, tem uma causa – não
há causas para estas coisas, há factores que podem contribuir mais ou menos
para elas. Pessoas com histórias muito semelhantes podem conduzi-las a fins
muito diferentes.
Queria dizer-vos que vale a pena ler, vale a pena deixar-se
sentir, e sobretudo vale a pena perceber que a Margarida é alguém que sabe
pintar a vida. Só por isso, qualquer livro que lance é para ser lido, pois às
vezes andamos a fugir da vida real. A vida também é isto. E se nós soubermos
ler estas coisas com a proximidade suficiente para termos capacidade de
entender e compreender quem está à nossa volta, e com a distância suficiente
para não submergir e não nos deprimirmos com isso, estamos a fazer um bom uso
da própria leitura.
Cada livro seu é um momento de gratidão para todos nós.
Intervenção de
Margarida Fonseca Santos
Eu acredito que é importante partilhar o conhecimento do
sofrimento, das portas que se abrem e das portas que se fecham. Às vezes somos
nós que fechamos as portas, outras vezes é a vida que as fecha e nós não
conseguimos voltar a abri-las.
Eu escrevo sobre coisas que conheço, que de alguma forma
estão dentro do meu mundo. Eu queria contar a história de uma mulher que
desiste, que se serve do álcool para desistir; e a de alguém que está ao lado a
tentar resgatá-la. Na década de oitenta este era um papel muito solitário,
agora já não é tanto – queria contar a história de alguém que sofre com, numa relação de
co-dependência, alguém para quem é tão evidente onde é a porta e que esbarra
com a outra pessoa que não consegue, nem quer, passar por essa porta. Isto de
ajudar tem muito que se lhe diga, como referiu a Margarida Cordo – só pode ser
ajudado quem quer ser ajudado, é esta a realidade. É disto que fala o livro.
Posso explicar-vos um pouco como foi construída a história.
No início, agarrei nos 12 passos e reescrevi-os (à minha maneira). Pensei
escrever esses 12 passos, dados pela Alda e pela Luísa, em sentido contrário –
uma a recuperar, a outra a perder a sua liberdade e caindo na frustração.
Contudo, rapidamente me apercebi de que isso também não seria real. A partir de
certo momento, estes dois percursos inversos deveriam chocar – quem estava a
caminhar para se recuperar volta para trás, quem está a perder a sua própria
liberdade tenta recuperá-la.
A partir do romance “De Nome, Esperança”, como a Margarida
Cordo disse, foquei-me na escrita na 1ª pessoa. Acho que não há nada melhor do
que a narração na 1ª pessoa para pôr as pessoas a falar do seu próprio
sofrimento, do amor, dos sonhos, das expectativas, dos avanços e recuos na
vida.
As três personagens têm registos muito diferentes. Isto de
escrever tem de facto muito mais suor do que inspiração. O momento de rever as
partes de cada uma delas foi feito a escopro e martelo, para ter a certeza de
que cada uma é coerente, tanto na forma da escrita como na forma de pensar.
Estamos sempre a falar do mesmo assunto, mas estamos a vê-lo de três formas
diferentes. E, como a Margarida Cordo disse, este assunto é muito maior do que
o alcoolismo.
Foi um livro que me deu muito prazer escrever, mas também
muito sofrimento. Escrever “dentro” de cada uma das personagens implica também
sentir com elas. Não sei se é uma vantagem ou uma desvantagem, esta minha tendência
de ver/escrever como as pessoas estão a sentir. Mas é algo que me fascina – observar
como as pessoas se comportam no dia-a-dia em relação às coisas que lhes acontecem,
em relação aos outros. Este caminho usado ao escrever “Deixa-me Entrar na Tua
Vida” é exactamente isso: visitar o lado de dentro das pessoas e encontrar a
saudade, a esperança, o desistir, o pensar “quando é que isto acaba?”. Os avanços
e recuos de pessoas como todos nós.
Espero que gostem…!
Comentários